Fazia muito tempo que não via Lara quando recebi um telefonema de sua mãe me convidando para conhecer a casa onde estavam morando. Não sabia bem o motivo de tal consideração depois de quase um ano. Na manhã seguinte, fiz minhas malas colocando somente o essencial para passar uns cinco dias na cidade. Naquela época do ano tudo ficava mais caro, as passagens, a hospedagem e alimentação, tudo. Só sabia que a mãe de Lara havia ido embora e não tinha deixado recado. Um vizinho próximo da antiga casa que por coincidência tinha resolvido ir ao mesmo mercado que eu foi quem me deu a notícia. Depois das primeiras palavras da ida de Lara para um outro Estado, eu lia os movimentos dos lábios daquele espírito bem intencionado sem compreender o que era dito. Uma cena muda como os filmes sem diálogos. Demorou um pouco até que eu me refizesse do impacto daquelas palavras que como uma flecha me dividia em dois. Rumo à estação rodoviária do Rio de Janeiro, parei no caminho avistando uma loja de brinquedos. A vitrina estava cheia de preciosidades aos olhos pequeninos, olhos de Lara. Ao entrar na loja avistei bem no fundo do corredor algo por demais cativante e de súbito uma emoção tomou conta de meu corpo. Era ela, era o presente de Lara. A estação estava cheia devido a todos quererem estar no dia de natal com seus entes mais queridos. Ao embarcar, corri os olhos por cima das cadeiras para encontrar o assento que estava destinado ao meu acomodamento. Sabia que a viagem seria longa, dezesseis horas de estrada me separavam do meu destino mais aguardado depois desse um ano sem contato. Ao descer do ônibus, tentava com cuidado carregar o presente que eu esperava ser recebido com alegria. Peguei um táxi e segui em direção à Avenida Quinta admirando a paisagem que no verão se fazia notória. Muitos fotógrafos teriam inspiração em executar seus trabalhos nesse paraíso tão grande que se abriga cerca da praia. Seguindo a rua que era de mão dupla, a casa ficava bem no final, a primeira do lado direito, logo que terminava a estrada e começava o barro. Conforme ia me aproximando sentia meu corpo estremecer, era o manifesto de uma sensação que parecia antever os acontecimentos futuros. As mãos suadas levavam o presente de Lara cuidadosamente. Aproximando-me do portão, um cão de pêlos longos e bem tratados preto e brancos latia para mim anunciando aos que estavam do lado de dentro da casa a chegada de um estranho. Assim que a porta se abriu, pude ver ao longe um ser delicado como uma flor. Um ser que me analisava com seus olhos curiosos, me percebia talvez em sutilezas indescritíveis. Pois era ela, a minha querida Lara, aquele ser que se aproximava do portão a passos curtos e desconfiados, que enxotava o cão que ainda latia. Quando chegou bem perto onde suas mãos pudessem passar pelas frestas do portão verde eu lhe disse: Olha filha o que eu lhe trouxe! Ela é quase do seu tamanho e você está tão grande... . Como da última vez em que tinha me visto seus olhos lacrimejantes se fixaram nos meus e em tom ameno e rouco pela peculiaridade do momento ela disse: Papai eu não quero ficar sem você! Me abraçou como pôde pelas frestas do portão como que para não me deixar escapar. Concluí então naquele momento que a boneca adquirida em uma loja no caminho era apenas uma boneca adquirida em uma loja no caminho.
CONTOS RUBENSIANOS
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